quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Escola Primária

 Outros tempos...

Recentemente visitámos um museu, na Vidigueira, onde está recriada uma sala de aula da Escola Primária de há mais de um  século e que cuja composição e mobiliário se mantiveram quase inalterados até há pouco mais de três dezenas de anos.

Quando frequentei a Escola Primária, há bem mais de meio século, a sala de aula era muito semelhante.

E avivaram-se as memórias da minha passagem pela Escola Primária.

Lá estavam as carteiras duplas, o tinteiro para molhar a caneta de aparo  (e já na quarta classe, para encher a caneta de tinta permanente), o papel mata-borrão para secar a tinta em excesso do ditado ou cópia feita no caderno de duas linhas
Só a partir da 2ª classe é que tínhamos direito a usar caneta de aparo!
Antes disso, aprendíamos a desenhar as letras na ardósia, com o lápis de pedra e depois quase no fim da primeira classe passávamos para o caderno e lápis.

O uso da ardósia era um problema, pois as letras desenhadas  com tanto cuidado no trabalho de casa, várias vezes, desapareceram misteriosamente durante a noite. Da ardósia escorriam gotas que água (resultado da condensação do vapor de água dentro da mala) que não eram nada comparadas com as lágrimas que chorava ao pensar no que me iria acontecer ao chegar à escola, pois a professora não era para graças e eu ainda não tinha experimentado o peso da régua que já vira descer nas mãos de muitas companheiras... Salvou-me a minha querida mãe que secava muito bem a ardósia e me ajudava a refazer o trabalho. 

Agora recordo outro desastre mas este foi na pintura. No caderno de desenho tínhamos que fazer um desenho sobre a Primavera e eu desenhei as árvores cheias de folhas, flores, aves e duas ou três nuvens no céu. Na hora de pintar entrou em acção a minha preciosa meia dúzia de lápis de cor mas com a luz do candeeiro a petróleo, o azul e o verde foram trocados.

Quando mostrei o desenho à professora, à luz do dia, as folhas das árvores eram azuis e o céu estava pintado de verde. Fiquei tão assustada mas nesse dia só me calhou um ralhete. O que me salvou foram as flores e as aves cheias de cores! 

Depois, um dia, tive a sorte de ter uma caixa com dúzia de lápis de cor (um luxo) de prenda do Menino Jesus que não havia cá Pai Natal. Não poupei os lápis nas pinturas, fazendo trabalhar bem o apara-lápis, para estarem sempre afiados!

A régua de que me lembro era bem mais pequena do que a desta fotografia.
As reguadas estavam guardadas para quem errava as contas, os problemas ou dava mais de quatro erros e  três quartos no ditado... 

O mais perto que estive de levar uma reguada foi por causa dos Mandamentos da Santa Madre Igreja! 

Estava na quarta classe. Tínhamos aula de religião uma vez por semana e os mandamentos e orações tinham que estar na ponta da língua. Tão bem decorados como a tabuada, as preposições, advérbios (de modo, de tempo, de lugar), a conjugação os verbos, as linhas férreas, medidas de capacidade, de peso, de volume...

Ficou-me quase tudo arquivado na memória e ainda hoje sei de cor, muito do que aprendi e só mais tarde percebi para que servia (ou não).

Mas voltemos aos mandamentos! O sr. Padre naquele dia perguntou os mandamentos todos e várias orações. Houve muito engasgamento e falhas de memória. A mim calharam-me os Mandamentos da Santa Madre Igreja! 

Creio que são cinco e eu acertei quatro e meio! 

Depois do sr. Padre sair, a professora deu uma reguada por cada mandamento em falta ou oração não decorada e quando chegou à minha vez, disse-me "ficas para a próxima, já tens metade guardada"! 

Se há Deus, Ele que  lhe perdoe que eu não esqueço tanta reguada! Mas saliento que o sr. Padre não teve culpa nenhuma do castigo e até era boa pessoa.

Eu tinha sorte em ser boa aluna mas doíam-me as reguadas que outras meninas levavam e, sempre que podia, deixava copiar os problemas e as contas e a professora nunca me apanhou !!!!!!!!!!   Durante os períodos de cópia ou de resolução de problemas havia alguma acalmia na vigilância e a professora  sentava-se e fazia crochet ou renda. Não me lembro bem mas pareciam-me meias feitas com várias agulhas! E naquela meia hora de silêncio e paz, eu arranjava sempre uma maneira de passar  escritinhos para a colega da carteira de trás ou  do lado...

As competências treinadas  na escola desse tempo eram a leitura, a escrita e o cálculo. Era assim! Teve aspectos negativos e outros positivos...

Com seis anos, na primeira classe, em três meses aprendi a ler correctamente e depois do Natal  passei para a segunda parte do livro de leitura onde havia textos completos. Nessa altura, todos  os dias fazia uma cópia geralmente em casa, lia  a lição em voz alta,  ao pé da professora e mais tarde ( já na 2ª classe) fazíamos um ditado da lição estudada. Fazíamos redacções sobre temas variados mas não gostava muito da parte da ilustração, pois não era (sou)  muito prendada para o  desenho... Gostava mesmo era de ler e de resolver problemas daqueles complicados que já metiam áreas, perímetros ou volumes! E de ir ao mapar viajar, de Faro a  Miranda do Douro, pelas linhas férreas e ramais que hoje já não existem....

A capacidade de memorizar era largamente favorecida. Já a compreensão do que aprendíamos e a aplicação dos conhecimentos não era muito valorizado e no fundo acabava por depender de cada um de nós. Mas que a minha  memória ficou bem desenvolvida e fornecida de dados, isso ficou!

Os intervalos eram tão bons! Cheios de jogos, canções e explorações no terreno da escola cheio de amoreiras e flores silvestres! Lembro-me tão bem! 

As folhas de amoreira eram colhidas para alimentar os bichos-da -seda que eram preciosamente guardados numa caixa de sapatos. E ali víamos, sem saber, acontecer o milagre da metamorfose...

A nossa memória é mesmo uma máquina de viajar no tempo!

Soube há pouco tempo que a minha antiga  escola primária , há muito desactivada, vai dar lugar a uma casa mortuária com duas capelas. Uma em cada sala de aula.
Depois das vozes e dos risos das crianças vamos ter o choro dos vivos e o silêncio dos mortos! 
Tudo se transforma mas as amoreiras, por enquanto, ainda lá estão!


6 comentários:

  1. Revi-me nesta tua publicação.
    O mobiliário igual, os trabalhos, as reguadas, que felizmente nunca levei, as brincadeiras no recreio, os recadinhos passados à socapa, etc.
    Por coincidência hoje também fui visitar a minha escola, onde hoje funciona o Centro Social.
    Espero em breve ir até lá de vez em quando, fazer uma actividade com as idosas e espero ser bem sucedida.

    Bom fim de semana.
    Beijos Mena

    ResponderEliminar
  2. Gostei tanto deste passeio,fez-me lembrar a minha infância e lugares por onde andei! Grata pelo sentimento, pela doce nostalgia, e pelas fotos que adorei ver! Bom fim de semana!

    ResponderEliminar
  3. A Minha sala de aula (há 30 e muitos anos atrás) também era Muito similar...
    Boa semana, Mena! :-)
    Beijinhos**

    ResponderEliminar
  4. Adorei a sua descrição da sua Escola. Ri-me imenso. Revi-me em muitos aspetos ou quase todos.
    Mas a Escola da Vidigueira com o Museu, vai acabar?! Não percebi bem.
    Muita Saúde e Obrigado por reviver o passado.
    F: Carita Mata

    https://aquem-tejo.blogs.sapo.pt/o-pote-da-fortuna-323603?tc=87090037945

    ResponderEliminar
  5. Reli o seu postal e percebi que a sua Escola é que vai dar lugar a capelas mortuárias. (Sem ofensa, parece aquela canção da Amália. Mas compreendo que assim ganha novamente Vida (?!), através da Morte! Um paradoxo, todavia. Estes tempos que vivemos!)
    Gostei muito de ler e reviver as histórias.
    Muita Saúde.
    F. Carita Mata

    https://aquem-tejo.blogs.sapo.pt/uma-estoria-de-escola-de-antigamente-47694

    ResponderEliminar
  6. Voltei aqui para te desejar uma óptima semana e também para reparar que as aulas de religião eram dadas na escola, as minhas eram na igreja da aldeia, onde tinha de ir à catequese, depois fazer a primeira comunhão, a comunhão solene e finalmente o crisma.
    As tuas flores são lindas!

    Beijinhos Mena

    ResponderEliminar